Liberdade, independência e conhecimento

06/03/2020 21h31 ⋅ Atualizada em 21/03/2020 23h10

Educação, Docente, Dia da mulher, Perfil, Mestrado

 

Naquele dia, as lágrimas nos olhos escuros representavam anos de luta de Maria Ivanilde. Dentro da Universidade de Taubaté, ela assistia à defesa de mestrado de sua filha que, a cada palavra, assim como a mãe, fazia belos gestos com as mãos. Mas a história começa às margens do Rio Tocantins, em Imperatriz, município do Maranhão. A luz de lamparinas clareava o caderno de Ivanilde que, aos nove anos, iniciava os estudos no Ensino Fundamental. Dentro da casa humilde, o sonho de ser professora dava os primeiros passos. “A educação tem o poder de mudar a vida das pessoas, é a única oportunidade que temos para conseguir liberdade, independência e conhecimento”, acredita a docente.

Aos 16 anos, Ivanilde casa-se com um homem que a apoia em seus estudos. Adriana é fruto dessa união. E, num lar da vizinhança, também nascia a neta de uma amiga. Adriana e a neta tinham algo em comum. É o amor por essas duas crianças que percorre as linhas escritas na carta enviada a José Sarney, presidente da época. A mensagem era, na verdade, um projeto. Autorizado! Assim, as duas mulheres, Maria e sua amiga, se tornavam umas das precursoras da educação de surdos na cidade.   

No contexto nacional, a “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes” era escrita. Intensas campanhas enfatizavam que “Constituinte para valer tem de ter os direitos das mulheres”. Poucos anos depois, os direitos das mulheres foram ampliados por lei. Enquanto isso, Maria Ivanilde, professora negra de cabelos cacheados, continuava a sua trajetória, acreditando que cada avanço feminino a impulsionava. “Eu diria que elas (as mulheres) venceram, apesar de saber que há muitas que não conquistaram ainda seu espaço. Esses avanços me ajudaram muito a realizar coisas que nunca imaginei que conseguiria. Um exemplo é estar aqui, concluindo o Mestrado em Ciências Ambientais junto com minha filha”, acrescenta Ivanilde.

Na estrada que Ivanilde percorreu, há várias “estações”: a diretoria de uma escola da rede estadual, instituição que foi referência nacional em gestão escolar; o intercâmbio nos Estados Unidos, por conta do trabalho de inclusão da pessoa surda; a diretoria da Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos Professor Telasco Pereira Filho, primeira escola do segmento no Maranhão, que recebeu o nome de um surdo, lutador pelas escolas bilíngues, e a decisão de sua filha, Adriana, de “cortar o cordão umbilical” para estudar em São Luís/MA.

Maria Ivanilde e sua filha, Adriana, pousam para foto na biblioteca do Depto. de Ciências Agrárias da UNITAU, em Taubaté-SP

O sonho de estudarem juntas voltou anos mais tarde. O mestrado da Universidade de Taubaté foi apresentado por Mercedes Castro, docente formada nessa Instituição. A dissertação de Ivanilde retoma a sua luta em prol dos surdos. O desejo surgiu quando ligava a TV ou via cartazes que incentivavam a preservação do meio ambiente. Campanhas incríveis, mas não inclusivas. Surge a temática “A influência de fatores socioambientais em alunos surdos de escolas municipais da cidade de Imperatriz/MA”. O objetivo: enfatizar que os surdos podem e são importantes para ajudar na conservação do ecossistema, ou seja, uma conscientização acessível.

E, naquele dia do início deste texto, Ivanilde estava numa importante “estação” de sua vida junto a sua filha. As duas mulheres, dessa vez, escolheram passar pela Universidade. É por essa trajetória que ela acredita que só a educação pode levar as pessoas a lugares nunca imaginados e que a universidade é um ótimo caminho. Como professora, lamenta as dificuldades das docentes. Mas, para o Dia das Mulheres, a mensagem final de Maria Ivanilde Oliveira Santos, mãe da primeira mulher surda mestra em Ciências Ambientais do Brasil, é: “Nunca fiquem paradas, busquem condições que possam melhorar suas vidas e a das pessoas que amamos. Nada pode ser mais lindo, maravilhoso e admirável do que uma mulher que sabe o que quer, que tenta superar a cada dia seus limites, que vence os medos, luta pelos seus sonhos, que se ama e pensa em si enquanto pessoa humana linda e admirável. Este dia representa luta, igualdade de oportunidade e respeito para com todas as mulheres”.

Nathalia Querol - texto

Renata Moraes - fotografias

ACOM/UNITAU